A evolução do crime organizado fluminense: Como uma loteria do século XIX deu origem ao cenário caótico de segurança pública

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A evolução do crime organizado fluminense: Como uma loteria do século XIX deu origem ao cenário caótico de segurança pública

por Anderson Hoelbriegel*

Nos anos 80, nas ruas do Rio de Janeiro, um fenômeno de jogo de azar despertou a curiosidade e interesse de muitos ao longo dos anos: o famoso Jogo do Bicho. Porém, como este surgiu em solo carioca? Qual a história do jogo do bicho no Rio de Janeiro?

Desde sua fundação humilde até sua ascensão para se tornar um fenômeno cultural, o Jogo do Bicho tem suas raízes fincadas na cidade do Rio de Janeiro. Neste artigo vamos discorrer sobre:

  • O contexto histórico do Jogo do Bicho
  • História recente do jogo do bicho

O contexto histórico do Jogo do Bicho

Lá pelos idos de 1892, após o forte corte orçamentário, o barão de Drumond, fundador do Jardim Zoológico, precisava de verbas para manter o zoológico funcionando. Dessa necessidade surgiu a ideia de se criar uma loteria dos bichos para angariar fundos e suprir a falta de dinheiro. Dois anos depois da sua implantação, a loteria de Drumond foi considerada um jogo de azar pelo governo e, em decorrência disso, a prefeitura carioca proibiu o seu funcionamento em 1895, porém o “jogo do bicho”, uma verdadeira epidemia de jogatina, continuou ativo, forte e clandestino, só que desta vez nas mãos dos “bicheiros”.

Mesmo com a criminalização dos jogos de azar em 1946, o jogo do bicho caiu no gosto popular e já na década de 80 se tornou mais forte, entretanto os bicheiros, considerados contraventores, precisavam de legitimação social. É bem verdade que futebol, carnaval e samba sempre tiveram uma relação íntima com o jogo do bicho, mas foi a partir da criação das escolas de samba, do sambódromo e da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) que os bicheiros puderam sentar-se à mesa com políticos e sociedade civil, visto que se tornariam verdadeiros mecenas do maior espetáculo da terra: O Carnaval da Sapucaí.

A década de 80 foi a época áurea dos bicheiros cariocas e eles conseguiram estabelecer sólidas conexões políticas, patrocinavam o futebol, o carnaval, o samba e, por meio da Liesa, a cúpula do jogo do bicho chegou a participar de um debate em importante emissora de televisão, porém após a morte de Castor de Andrade, houve um racha na cúpula do bicho, fato que abriu um vácuo de poder nos morros cariocas. Ainda na mesma década, o tráfico de drogas carioca se organizou, a partir do controle territorial de favelas, gerando disputas sangrentas entre criminosos e polícia, ou seja, como podemos notar, não é de hoje que grupos armados controlam territórios no estado do Rio de Janeiro, impedindo o acesso da polícia e implantando um verdadeiro estado paralelo.

Nos anos 2000, como poder antagônico ao tráfico de drogas, surgem as milícias, até então exaltadas pela sociedade, mas que logo começaram a ameaçar a sociedade civil devido ao seu projeto de poder baseado na violência e forte conexão com legislativo, judiciário e órgãos de segurança pública.

De 2007 a 2020, ciclo de expansão das milícias, este grupo criminoso aumentou sobremaneira sua área de influência no estado e essa expansão contribuiu para modificar ainda mais a configuração dos grupos armados cariocas e fluminenses, tornando o cenário mais complexo, instável e volátil. Se na década anterior, a questão criminal estava concentrada nas disputas entre comandos e facções de traficantes, de 2007 até 2021 a atuação das milícias subiu de patamar e trouxe novos desafios para as polícias.

História recente do jogo do bicho

Mais recentemente, em busca de fortalecimento regional, milicianos têm se aliado a traficantes dando origem às narco milícias, o que eleva de patamar o nível de complexidade, de violência e capilaridade dessas organizações criminosas. São práticas criminosas comuns a exploração de pontos de moto taxi, venda de gás, internet clandestina, restrições de acesso, extorsão, tráfico de drogas e assaltos a cargas, desmatamentos e construções irregulares, ou seja, não existem mais diferenças entre traficantes e milicianos.

Portanto, conclui-se que a origem do crime organizado fluminense remonta do início do século XIX, resiste à repressão dos jogos de azar no Brasil, se fortalece durante o período ditatorial, ganha força na redemocratização, se incorpora ao meio sociopolítico, namora com a mídia, institui o estado paralelo e evolui para um sistema mafioso super sofisticado de influência, violência e poder.

 

*Anderson Hoelbriegel é diretor de negócios da ICTS Securityempresa de origem israelense que atua com consultoria e gerenciamento de operações em segurança.

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