Quando falamos em racismo, presume-se voltar ao tempo para relembrar sobre a escravidão no Brasil, que envolveu os indígenas escravizados pelos portugueses e a vinda africanos trazidos em navios negreiros, cenário que, oficialmente, teve seu fim decretado em 1888 com a Abolição da Escravatura. Não, isso não é assunto do passado quando ainda presenciamos diariamente comportamentos como os dos senhores de engenhos, ou seja, os pseudos moralistas que alimentam a segregação em um racismo velado e, por consequência das desigualdades, impulsionam a violência, que está engendrada em diferentes ocasiões.
Somamos 27 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza, segundo levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e sendo um país multirracial, com 54% da população negra, de acordo com o IBGE, ainda é inexpressivo encontrarmos nas empresas diretores, CEOs ou altas posições sendo ocupadas por pessoas negras. Será que essa baixa representatividade é uma coincidência? São dadas condições iguais aos nossos jovens quando vemos um ensino público fornecido no interior de comunidades com população predominantemente parda e negra, que inúmeras vezes interrompem o estudo pelo cotidiano de violência, versus um ensino privado dado nas regiões de maior poder aquisitivo e predominantemente branca? Da forma como está, será impossível diminuir esse abismo social. E quais são as consequências?
Recentemente, tivemos casos que demonstram o quanto o racismo continua presente. George Floyd, morto em maio de 2020 por asfixia durante uma abordagem com uso excessivo de força por um policial nos Estados Unidos. João Alberto Freitas, morto em novembro de 2020 após uma abordagem mal realizada em uma rede de Supermercados no Sul do Brasil. Coincidências ou comprovação do óbvio? Esses casos, como outros tantos que vemos acontecer, poderiam ter sido evitados a base de treinamentos internos nas corporações com clara demonstração da importância e relevância que o tema merece. Treinamentos não são custos e sim investimentos para a efetiva mudança de mentalidade que remonta à escravidão. Sim, as empresas também podem e devem apoiar esse movimento. E isso não deve ser adotado apenas como uma melhoria para a imagem da empresa, mas sim como uma mudança nos padrões de uma nação.
O racismo está presente em diversos aspectos da vida. Dos ditados populares ao mundo corporativo, que prega frases como “lista negra” em referência a maus pagadores e maus profissionais, assim como no dia a dia quando nos referimos a “mercado negro” quando envolvem coisas ilícitas, sem percebermos, usamos diferentes frases racistas no nosso cotidiano.
Contudo, há pouco tempo e largo atraso temporal, foram criadas leis após as repercussões decorrentes de inúmeros casos de notório racismo. O Brasil, desde 1989, possui lei específica que criminaliza a prática do racismo no País e recentemente se tornou inafiançável, porém os casos não deixaram de acontecer. No Rio de Janeiro, no mês de junho de 2021, um casal de jovens acusou Mateus Ribeiro, um jovem de 22 anos, negro da zona sul carioca, de ter pegado a sua bicicleta elétrica que, pouco antes, havia sido furtada em local próximo. O jovem acusado gravou o episódio pelo seu celular e apesar das imagens dele e de câmeras do comércio local, o caso foi interpretado e será julgado como calúnia, ou seja, um crime de menor potencial ofensivo.
Diante da situação exposta, deixo aqui algumas reflexões: de que adianta criar leis severas se a aplicabilidade ocorre sob influência da ótica, região do fato e relação vítima versus autor? O que fez o casal realizar a abordagem da maneira como foi feita? Ou, ainda, vamos achar estranho um jovem negro ter uma bicicleta elétrica de alto valor financeiro em plena zona sul carioca? Estamos preparados para tratar o tema? Como estamos notando, ainda estamos longe de viver em condições iguais.
Apesar da tímida evolução sobre o racismo, passaram mais de 130 anos da Abolição da Escravatura e parece que estamos acorrentados a uma cultura cruel e desumana. A segregação é nociva e tem ligação direta com a violência. E, se não dermos cada um o primeiro passo agora, vamos levar mais 100 anos para ter um mundo livre de preconceitos. Do ponto de vista das empresas, esse cenário de falta de engajamento real com o tema promove forte crítica da sociedade, enormes prejuízos financeiros e de reputação, além do principal, que é a promoção de uma nova e urgente mentalidade de igualdade. Mas, tudo isso pode ser evitado e implementado com treinamento especializados.
Eduardo Masulo é consultor sênior na ICTS Security, empresa de origem israelense que atua com consultoria e gerenciamento de operações em segurança.