Milícia não é polícia: o cenário do Estado do Rio de Janeiro
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Milícia não é polícia: o cenário do Estado do Rio de Janeiro

Publicado em: 10/03/2020

Milícia pode ser classificada como qualquer organização de cidadãos armados que não integram o exército de um país. Um levantamento feito pelo Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro indica que, em oito anos, as milícias tiveram sua área de atuação dobrada no município carioca. De 2010 até então, o total de favelas sob o controle de grupos paramilitares aumentou de 48 para 88. Esse dado reflete a forte atuação das milícias que, assim como as facções, se impõem atualmente como uma opção de combate à insegurança frente ao decadente cenário urbano do Rio de Janeiro.

Uma vez que o Estado se mostra cada vez mais enfraquecido com suas políticas públicas de redução da violência, a parcela da população que defende a presença de milícias como a solução ideal para um basta na desordem tende a crescer – assim como a área de atuação desses grupos. Porém, a ação das milícias não deve ser defendida simplesmente como uma medida desesperadora de autodefesa cidadã.

Todo esse olhar de “encantamento popular” sobre as milícias tem parcela de fundamento. Na realidade das comunidades, as milícias possuem uma posição oficial maior e, com suas próprias medidas de ação, resguardam os habitantes de acordo com os interesses comunitários do lugar. Talvez não seja sabido pela grande massa que as milícias têm livre passagem nos bastidores do poder estatal, com suas equipes compostas por policiais militares aposentados e/ou expulsos, bombeiros e outros profissionais ligados a entidades de proteção civil. Essa mescla de leis próprias com mecanismos estatais cria um poder paralelo, capaz de ganhar o respeito em determinados territórios do Rio de Janeiro – sobretudo naqueles localizados em áreas periféricas do estado.

Engana-se quem acredita que há um cunho puramente social na gestão dos grupos paramilitares nas favelas. Eles podem até zelar por maior segurança à comunidade em relação a outros criminosos, como assaltantes e traficantes. Porém, há um preço a ser pago que é desconsiderado por grande parte dos moradores. As milícias detêm o controle dos serviços, como TV a cabo e distribuição de botijões de gás, bem como cobram taxas aos residentes e comerciantes. Um ato rentável, que despertou o interesse escuso de várias esferas oficiais da sociedade.

Outra esfera que também possui importante presença na atuação das milícias está relacionada ao apoio político, que se envolve nesse processo em busca de votos nas regiões mais carentes. Aliando a “fome com a vontade de comer”, os políticos têm polos eleitorais estabelecidos nessas comunidades, conquistam votos de cabresto e, como forma de agradecimento, o estadista oferece proteção aos criminosos.

Observando este cenário, pode-se chegar à conclusão de que muito pode ser explicado sobre o papel reativo das autoridades competentes para o combate efetivo das milícias. Houve uma CPI isolada, algumas operações específicas quando as situações estavam gritantes e, no mais, deu-se continuidade ao foco nas ações contra as facções criminosas – que, nesse caso, são tidas como não-oficiais. Nada mais do que isso é feito, em tempo algum.

A cada dia, as milícias ganham mais força estrutural, adquirindo armamento pesado e muito dinheiro para financiar a organização das suas ações – além de comprar o silêncio de muitos envolvidos. Atualmente mapeia-se, pela Inteligência da Segurança Pública, mais de 200 territórios espalhados por todo o Estado do Rio de Janeiro. Dentre eles, já se fala em uma milícia pura, formada somente por agentes públicos e, também, em uma milícia mesclada, onde já houve o recrutamento e a junção de traficantes. Nesta última, juntaram-se também os modelos de captação de recursos, por meio de pedágios ilegais e do tráfico de armas e drogas.

É importante considerar todos os dados apresentados ao defender a presença de grupos paramilitares no quadro de intervenção do Rio de Janeiro. Não sejamos vítimas do desespero nem do desconhecimento de informações, mesmo vivendo em tempos de vulnerabilidade em segurança. Milícia não é polícia e esse conceito precisa ser muito bem entendido e assimilado. Somente assim os verdadeiros responsáveis pela proteção populacional poderão ser cobrados, questionados e pressionados a agirem em favor da preservação do estado.

Carlos Guimar
Carlos Guimar é Sócio-Diretor da ICTS Security, com mais de 20 anos de atuação na área de Segurança Corporativa, iniciou sua carreira nas forças armadas como oficial da Polícia do Exército e já desempenhou atividades nas áreas de Segurança Pessoal de Empresários, Vips e Dignitários, transportes logísticos, transportes metroferroviários, energia, telecomunicações, shopping centers, dentre outros. Possui experiência e atuação comprovada em Gerenciamento de Projetos, de Operações, de Segurança e Inteligência Corporativa; identificando, avaliando, implantando e influenciando para a melhoria das políticas e dos processos existentes, utilizando as técnicas de Inteligência de Segurança e de Análise de Riscos ao negócio, em empresas como Multiplan, Furnas Centrais Elétricas, Metrô Rio, Nokia e Ambev.

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